A Ana Pereira é amiga de uma amiga. Nem nos conhecemos pessoalmente, mas já falámos por videochamada e está prometido um café para dar 2 dedos de conversa. Ela é produtora de conteúdos na área da sustentabilidade e a roupa em segunda mão faz parte da sua dinâmica familiar. Por isso, tinha de estar na nossa rubrica Eu uso moda second hand.
É possivelmente o testemunho que melhor reflete como devemos olhar para as roupas. Como peças que devem perdurar. Se não no nosso roupeiro, no de outra pessoa. Ou sob outra forma, quando já não podem ser usadas com a finalidade original.
Obrigada pelo teu testemunho Ana, foi ótimo ler e partilhar!
Sou produtora executiva na Únia World, uma produtora que cria conteúdos em diversos formatos, mas todos relacionados com a sustentabilidade.
De momento, não compro roupa, nem outras coisas, em segunda mão.
Não o faço porque não tenho realmente comprado coisas. Mudei de casa no início do ano passado e entre o que tinha, presentes e mobília em décima mão, acho que comprei um par de almofadas e umas serigrafias
Mas durante os anos que vivi em Londres fazia-o muitas vezes, quer roupa para festas temáticas (que na época estavam muito na moda..!), quer móveis, por exemplo, porque vivia numa comunidade universitária, como muitas idas e vindas.
E, felizmente, conheço agora muitas pessoas que o fazem, desde miúdas mais novas que têm páginas de Instagram para poderem dar uma segunda vida a peças que já não usam, a amigas, que procuram máquinas de café em segunda mão antes de comprarem novas ou aquelas que aproveitam este mercado para vender e comprar livros.
Se a segunda mão foi de certa forma transitória na minha vida, já os cuidados com as peças, os remendos e, em especial, as peças passadas de geração em geração ou entre primas são constantes.
Sempre vivi numa cultura de hand-me-downs, em que as primas mais novas herdavam roupas e sapatos das primas mais crescidas, em que a Mãe imagina peças novas de peças ou tecidos antigos, e em que comummente se emprestam roupas e sapatos de festa, e se trocam roupas porque ora se emagreceu ou se engordou, ou porque nos fartamos de determinada peça ou porque temos uma roupa mesmo gira mas que nos lembra um namorado que queríamos esquecer! E quem fala de roupa, fala também de móveis, loiças, jóias e malas. E plantas.
Tenho a sorte de ter vivido sempre com a realidade dos casacos e das malas levadas a remendar ou consertar, da modista que faz peças novas e ajustadas de peças mais antigas e de coisas que duram uma vida e, na verdade, acho que tudo isto nos leva a uma discussão muito interessante sobre o valor que damos às coisas. Tenho uns vestidos de festa que vou girando, uns sapatos tom de pele que procurei durante anos e que agora me hão-de durar para sempre, e uso o mesmo casaco de Inverno há mais de dez anos.
Todas as peças de roupa têm o seu trajecto de vida
As toalhas quando deixam de estar decentes passam para os cães antes de servirem para trapos, assim como os panos de cozinha, e as calças de desporto e as malhas depois de velhos são roupa de fim-de-semana nos Pais (a moda quarentena já era realidade em Vale do Paraíso há anos!).
Sendo certo que vejo virtudes na Zara e outras marcas semelhantes, que permitem que qualquer pessoa possa ter roupa interessante a custos mais reduzidos, também me parece evidente que quem está em posição de fazer escolhas e se possa questionar sobre estes assuntos rejeite completamente marcas de fast fashion em que as peças muitas vezes custam menos de €5 e que, pelo contrário, se pergunte como é possível que matérias primas, mais trabalho, mais transporte, muitas vezes do outro lado do mundo, possam todos juntos chegar a uma quantia tão diminuta. Como clientes, podemos e devemos usar o nosso poder para forçar mudanças.
Na última estação só tive uma peça “nova”
Um vestido que a Maria, modista da minha Mãe desde sempre, me ajustou e que pertencia a uma prima muito querida que morreu de cancro no início do ano. Sempre que o visto lembro-me da Kiki, que gostava de verniz encarnado, que me levou ao primeiro dia de aulas e que era uma pessoa espertíssima e com muita muita graça – e muito especial.
O meu casaco preferido de Verão também é um casaco militar que era mesmo da farda do Pai dos seus tempos na tropa.
E nesta fotografia estou a usar uma blusa de veludo, que usei poucas vezes em festas porque é muito especial e antiga, que me estava mesmo bem e não precisou de ajuste nenhum, e que era da minha Bisavó Henriqueta
Ana Pereira – Produtora Executiva, Únia World

