A Paula Cordeiro é professora, escritora, criadora de conteúdos e, pelo meio, criou o Urbanista 2.0, uma espécie de alter-ego onde fala de moda, alimentação, coisas bonitas e projetos que a apaixonam.
Já acompanho a Paula há algum tempo, sendo leitora fervorosa da sua newsletter semanal, que nos faz pensar, o que é sempre uma coisa boa.
Um dia, estava eu no processo de criação da reCloset, resolvo escrever-lhe a perguntar se aceitava trocar umas impressões comigo acerca de um novo projeto de moda second hand. Do outro lado, recebi um “Claro que sim!” Falámos ao telefone, sobre a reCloset, sobre moda, sobre o espaço para um projeto deste género. A reCloset tem um bocadinho da Paula, como tem de todas as pessoas que aceitaram falar connosco.
Por isso, quando tivemos a ideia desta rubrica, a Paula foi uma das primeiras pessoas a quem escrevi, novamente. E a resposta só podia ser “Claro que sim!”. O testemunho dela mostra quem é a Paula e a generosidade que oferece aos projetos em que acredita.
Obrigada Paula!
Era uma vez uma casa com um grande corredor, e um roupeiro que ocupava uma das paredes desse corredor, que acabava em curva, para dar acesso a um quarto. Nesse canto, estava outro roupeiro. Era nesse espaço que guardava toda a minha roupa. Um dia, a Clarisse, que todas as semanas ia lá a casa engomar a roupa, parou no corredor e, com um cabide de roupa na mão e outro na outra, perguntou-me se aquela blusa era do roupeiro da semana ou do roupeiro de fim de semana. Olhei, surpreendida e respondi, balbuciando as palavras. A minha supresa foi o pragmatismo de quem olha de fora e vê o que está à nossa frente sem o percebermos.
Eu tinha dois roupeiros e não sabia.
Eram tão diferentes que, para a Clarisse, um era o de fim de semana e o outro, para os dias de semana. Foi então que percebi que um deles correspondia à pessoa que sempre fui e, o outro, à pessoa que esperavam que fosse. E, garanto, não há melhor forma de acordarmos para a realidade do que percebermos que não somos a pessoa que queremos ser, mas aquela que as expectativas dos outros definem.
Como em tudo na vida, continuei no mesmo registo, embora mais consciente da situação.
Depois, coincidência, ou não, mudei de casa e esta é sempre uma oportunidade para nos livrarmos do peso do tempo, eliminando muitas coisas que não queremos levar. Fiz uma selecção das peças que me faziam sentido e decidi-me por um armário aberto para facilitar a organização da roupa.
Foi uma decisão excelente porque passei a ver toda a – ou quase – roupa que tinha, o que acelerava o processo de decisão e a consciência do que (não) precisava comprar. Foi talvez este armário que contribuiu para este processo de tomada de consciência do impacto da fast fashion na nossa vida e no mundo, mas que, paradoxalmente, também acelerou esta vontade de expressão através da roupa.

Senti muitas vezes que a roupa que tinha não me permitia mostrar quem era e muitas vezes, entre compromissos profissionais, mudava de roupa ou adaptava o look, mudando de casaco ou sapatos, consoante a situação em que me encontrava.
Mais tarde, mudei novamente de casa e, com base na experiência do armário aberto, percebi que as gavetas são as maiores inimigas da acumulação. São sempre pequenas ou com uma dimensão que não permite a arrumação como vemos nos filmes. Além disso, permitem que algumas peças fiquem esquecidas, o que pode levar a comprar mais, muito parecido ou em repetição em relação ao que já temos. Na nova casa, decidi que menos é mesmo mais. Escolhi o armário mais pequeno para mim e comprei uma vitrine para arrumar a roupa que não fica pendurada: tudo à vista porque, longe da vista, longe do coração, que é também o que faço às peças que me deixam na dúvida ou que penso se um dia ainda virei a usar. Estão numa caixa de arrumação à espera do dia em que irão para um mercado de trocas ou para uma instituição, ajudando quem mais precisa.
E se eliminei tantas coisas, como faço para me vestir, perguntarão?
Mentiria se dissesse que não comprei nada porque efectivamente comprei algumas peças que são “muito eu”, que me vão ficar para a vida, que visto repetidamente e sem vergonha de o mostrar – acho até que é para nos orgulharmos de repetir aquilo que nos favorece ou faz sentir bem.
Também seria uma grande mentira dizer que todas as novas peças de roupa são de marcas éticas porque não o são.
Contudo, são peças intemporais, de tecidos naturais e cortes clássicos, para um guarda-roupa que, não sendo para a toda a vida pode ser para a vida toda! Se isto serve para aliviar a culpa por recorrer a fast fashion? Talvez, mas sei que não sou a eco-fashionista perfeita. Dou o meu contributo estando consciente da minha pegada e da minha participação nesta indústria que explora pessoas, produz em demasia, apela ao consumismo, não segue critérios de sustentabilidade e baixou os preços para anular a concorrência, comprando o menos possível e procurando outras soluções, como os mercados de trocas nos quais não há dinheiro envolvido e as peças são catalogadas de acordo com a sua qualidade e estado de conservação.
As trocas directas, com amigas são outro recurso interessante porque aquilo de que estamos fartos pode ser uma novidade apaixonante para uma das nossas amigas e, finalmente, a transformação, que permite fazer de peças que já não gostamos novos modelos, adaptar peças de homem para as usarmos, transformar um vestido numa saia ou um sobretudo num casaco curto.
Por isso, quando me perguntam o que visto, a resposta certa é: um bocadinho de tudo, tentando comprar cada vez menos, estimando cada vez mais e procurando as soluções financeiramente possíveis, ecologicamente mais sustentáveis, socialmente aceitáveis e que contribuem para a economia local ou economia circular. As soluções existem, temos apenas de pensar nas que melhor nos servem.
Paula Cordeiro, Urbanista 2.0
Estas imagens são de peças que aparecem muito no IG da Paula, porque as usa vezes sem conta